O tema é polêmico e há alguns anos aguarda para ser tratado em lei específica. A terceirização, que coloca em lados opostos empresas e Ministério Público do Trabalho (MPT) em meio a centenas de ações civis públicas e indenizações milionárias, será analisada pela primeira vez pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A notícia trouxe aos empresários a esperança de reverter uma batalha que têm perdido há tempos na Justiça do Trabalho.
Os ministros do Supremo julgarão se as empresas podem terceirizar suas principais atividades – no meio jurídico conhecidas como atividades-fim. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), última instância trabalhista, é contrário, razão pela qual as empresas perdem a maioria dos recursos que chega à Corte. Hoje tramitam cerca de 20 mil processos sobre o tema.
O processo a ser analisado pelo STF é da Cenibra, do setor de celulose, condenada a pagar R$ 2 milhões por terceirização em uma ação movida pelo MPT. Em outra causa, menos abrangente, os ministros avaliarão a possibilidade de terceirização do serviço de call center de empresas de telecomunicações. O TST entende que a autorização da Lei Geral de Telecomunicações é inconstitucional.
Alguns dos setores mais afetados pela discussão são os de papel e celulose, produção de sucos, construção civil, telecomunicações, energia elétrica, logística, mineração, bancário e saúde.
Mais de 10 milhões de pessoas trabalhavam em empresas que prestam serviços terceirizados em 2011, ou seja 25,5% do mercado formal, segundo estudo do Dieese e CUT Nacional, que está sendo refeito. O setor de call center contabiliza mais de 500 mil trabalhadores nessa situação. Sem regulamentação específica – apesar de o MPT entender que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) fornece subsídios para tratar do tema – e sem avançar nas discussões sobre os limites dessa terceirização no Legislativo e no Executivo (leia mais abaixo), o Supremo poderá ser o responsável por definir os rumos dessas contratações.
O advogado que representa a Cenibra no processo, Marcello Badaró, coordenador da área trabalhista do Décio Freire e Associados em Minas Gerais e Nordeste, afirma que, por inércia do Legislativo, a interpretação do tema está limitada aos tribunais. “Esperamos que o Supremo acabe com esse vácuo legislativo, pois os bons estão pagando pelos maus”, diz.
Já o advogado José Alberto Couto Maciel, do Advocacia Maciel, que assessora Contax, Telemar e Vivo em processos no STF, afirma que a ideologia que predomina no TST é a de que qualquer terceirização seria fraudulenta, fato que repercute nos tribunais trabalhistas do país. Para ele, o Judiciário só deveria coibir a terceirização que envolve fraude no contrato de trabalho ou o não pagamento de salários, por exemplo. “A Justiça, ao criar empecilhos para a terceirização está prejudicando o próprio trabalhador, pois há redução na oferta de vagas e demissões”, diz Maciel. Para ele, é necessário uma lei que regulamente o tema ou uma decisão definitiva do Supremo para permitir a terceirização. “O Ministério Público do Trabalho tem entrado com ações milionárias contra as empresas, como se o fato de terceirizar por si só fosse fraudulento.”
O coordenador nacional de Combate às Fraudes Trabalhistas do Ministério Público do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, afirma que o órgão não é contra a terceirização em si. “Há situações permitidas”, afirma. Segundo ele, o Ministério Público, combate as fraudes nos contratos de trabalho, assim como a precarização dessas relações. A questão é interpretada como a diferença de tratamento entre o trabalhador contratado e o terceirizado de uma mesma empresa – salários menores, jornadas maiores, um número maior de acidentes fatais de trabalho e o enfraquecimento do movimento sindical. “Buscamos a igualdade de direitos e o fim da precarização, cumprir os anseios da Constituição Federal”, diz Pereira. “Há segmentos em que a terceirização já foi quarterizada.”
Os números mostram a preocupação do órgão com a questão. De acordo com o último balanço realizado pelo MPT, foram propostas 1.562 ações civis públicas até 2011. No mesmo período, foram 2.376 Termos de Ajustamentos de Conduta (TACs), 57 mil trabalhadores atingidos pelos processos e 13.566 investigações. “O MPT não entra com ações por nada. Ele é provocado e temos que apurar até por dever de ofício. Só o que tem fundamento vira ação”, afirma. Junto aos processos, normalmente, vêm os pedidos de indenização por dano moral coletivo que, segundo o procurador, são uma forma de pressionar as empresas a evitar a precarização. “O valor varia conforme as irregularidades encontradas e a condição que a empresa possui.”
O procurador explica que não há lei específica sobre o tema, mas que por interpretação dos artigos 2º e 3º da CLT, que dão a definição de empregador, é possível saber o que não pode ser terceirizado. Os dispositivos estabelecem que empregador é aquele que contrata, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço.
Ao contrário das entidades representativas das empresas, a possibilidade de o STF decidir o tema não agradou aos representantes dos trabalhadores. Para o secretário-geral da CUT, Sérgio Nobre, “não é papel do Judiciário intervir nessa questão”. Para ele, essas discussões sobre a terceirização devem ser negociadas por trabalhadores, empresas e sindicatos.
A CUT já pediu uma audiência com os ministros do STF em nome de todas as centrais sindicais. “A ideia é dialogar sobre o papel do Judiciário nessa história. Enquanto a negociação entre as partes não for encerrada não tem sentido o Judiciário intervir”, diz. Para ele, se o STF permitir a terceirização em todos os níveis, “haverá uma onda sem precedentes de terceirização e, consequentemente, da precarização do trabalho e a retirada dos direitos dos trabalhadores”.
No dossiê “Terceirização e Desenvolvimento. Uma conta que não fecha”, de setembro de 2011, realizado pela CUT em conjunto com o Dieese, a conclusão é de que ” a terceirização está diretamente relacionada com a precarização do trabalho”.
De acordo com o documento, uma pesquisa da Federação Única dos Petroleiros (FUP) de 2010 apontou que 98% das empresas foram motivadas a terceirizar devido ao menor preço e apenas 2% devido à especialização. Isso porque a remuneração dos trabalhadores terceirizados é 27,1% menor.
Além dos baixos salários, a jornada de trabalho também tem sido maior para os terceirizados. São três horas a mais semanalmente, sem considerar horas extras. Segundo a pesquisa, se a jornada dos terceirizados fosse igual a dos contratados diretamente seriam criadas cerca de 800 mil vagas.
O documento foi apresentado em audiência pública realizada em 2011 pelo TST. Segundo a socióloga Adriana Marcolino, que atua no Dieese e responsável pela elaboração do dossiê, a ideia era reunir todas as informações para construir um quadro sobre a o trabalho terceirizado no Brasil. “E a conclusão que chegamos foi a de que os ganhos com a terceirização estão muito mais ligados à precarização do trabalho do que à especialização dessa mão de obra”, diz.
Adriana afirma que a entidade está preparando uma atualização da pesquisa para apresentar ao Supremo. “Essa nova etapa da pesquisa deve tratar também da dimensão econômica da terceirização e fazer uma comparação das legislações internacionais que tratam do tema.”
Esse quadro, porém, não retrata a realidade, na opinião do vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e ministro aposentado do TST, Roberto Della Manna. “É uma falácia dizer que as empresas terceirizam para economizar. A terceirização ocorre por uma necessidade própria e peculiar de cada empresa”, diz. Para ele, não se pode ignorar que a terceirização é uma tendência mundial. “Hoje uma indústria de automóveis, por exemplo, prefere terceirizar a pintura porque há quem tenha se especializado nesse serviço e faça melhor.”
Segundo Della Mana, os líderes sindicais ficam preocupados com a queda de arrecadação, a medida que aumenta a terceirização. Os julgamentos no Supremo, na sua opinião, “são de fundamental importância para todos os setores da indústria que terceirizam sua atividade-fim”. Para ele, outra solução para o conflito seria a aprovação de uma lei que permitisse a terceirização “sem que haja prejuízo ao trabalhador.”